
As férias de janeiro de 2026 chegaram com um novo significado para muitas famílias brasileiras.
Por Helena Bastos
Depois de um 2025 marcado por cansaço emocional, excesso de compromissos e um crescimento preocupante da dependência de telas entre crianças e adolescentes, o mês de descanso reacendeu uma pergunta essencial: como podemos recuperar o tempo perdido dentro de casa?
O movimento de “férias conscientes”, que já vinha ganhando espaço nos últimos anos, consolidou-se como uma tendência nacional. A proposta é simples na teoria — estar junto de verdade —, mas, na prática, vem exigindo mudanças profundas na rotina das famílias.
Telas x Trilhas: a troca que virou símbolo do verão
Em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, a família Marques fez uma escolha radical: passou dez dias sem wi-fi. A mãe, Renata, conta que a decisão nasceu de um incômodo crescente com o comportamento dos filhos, de 7 e 12 anos.
“Eles acordavam já irritados, querendo celular. A gente perdia mais tempo discutindo limites do que conversando. Nas férias, resolvemos testar o impossível: desconectar”, diz.
O impossível funcionou. Os dias foram preenchidos com caminhadas leves, jogos que estavam guardados havia anos e pequenas tarefas compartilhadas, como acender a fogueira para uma noite de marshmallows.
Renata reconhece: “Descobrimos que as crianças não sentiam falta do aparelho tanto quanto imaginávamos. Era a gente, os adultos, que precisava aprender a descansar.”
A terapeuta familiar Marta Gervásio, entrevistada pela reportagem, afirma que o exemplo dessa família representa um movimento maior:
“Os pais perceberam que a tela virou babá emocional. Em 2026, muitos estão revendo essa relação para recuperar a convivência perdida.”
O retorno das pequenas rotinas — e o impacto silencioso delas
Em cidades grandes como Belo Horizonte e Curitiba, famílias adotaram outro caminho: reorganizaram a rotina de férias com pequenos rituais diários, como o “café da manhã sem pressa”, a “caminhada do pôr do sol” ou a “noite das histórias vividas”.
A pedagoga Lara Fontes, especialista em desenvolvimento infantil, explica por que isso funciona:
“Crianças não precisam de grandes viagens, mas de previsibilidade emocional. Quando a família cria um pequeno ritual, ela cria também um ponto de encontro afetivo. Isso reduz a ansiedade e aproxima as gerações.”
Foi o caso da família Oliveira, de Curitiba, que instituiu o “Dia do Sim”: um dia em que os filhos escolhem a programação inteira. Nada extravagante — geralmente é um passeio no parque, uma visita à casa dos avós ou preparar um almoço juntos.
A mãe, Priscila, afirma que esse pequeno compromisso mudou o clima da casa:
“A gente percebeu que eles queriam ser vistos, ouvidos. O ‘Dia do Sim’ virou o melhor dia da semana.”
O Brasil que está desacelerando
Se antes as férias eram sinônimo de viagens longas, shoppings lotados e roteiros cronometrados, 2026 trouxe um ritmo diferente.
Nos dados preliminares da Associação Brasileira de Psicologia Comunitária, 76% dos pais entrevistados disseram buscar atividades menos custosas e mais afetivas neste verão. Isso inclui:
- Visitas a parques e praças
- Trilhas leves
- Oficinas caseiras (culinária, arte, jardinagem)
- Leitura conjunta
- Conversas mais intencionais sobre sentimentos
“Há um movimento claro de retorno ao simples”, observa o sociólogo Eduardo Vianna, pesquisador de famílias brasileiras.
“Depois de anos tentando vencer o relógio, as famílias descobriram que o descanso verdadeiro não está no destino, mas no jeito de estar junto.”
Férias conscientes: tendência ou mudança permanente?
A ideia das “férias conscientes” — que combina autocuidado parental, conexão com a natureza e presença ativa — começou a circular nas redes em 2024, ganhou impulso em 2025 e se estabeleceu em 2026 como um comportamento de escolha, não apenas como moda.
A psicóloga Marta Gervásio explica que a mudança reflete uma necessidade social maior:
“As crianças estão entrando em 2026 mais ansiosas, com sono irregular e dificuldade de conviver offline. Os pais perceberam que precisam agir antes que esses padrões se consolidem. As férias viraram um laboratório de práticas mais saudáveis.”
Entre as práticas mais citadas por profissionais estão:
- Redução planejada do tempo de tela
- Contatos reais com amigos e familiares
- Atividades de cooperação (cozinhar, limpar, cuidar de plantas)
- Experiências sensoriais: tocar, cheirar, experimentar
- Conversas diárias sobre o dia, sentimentos e desafios
Os vínculos que estavam fragilizados em 2025 — e o desejo de reparação
A rotina acelerada de 2025 deixou um impacto visível: pais sobrecarregados, crianças mais reativas e famílias que conviviam mais por obrigação do que por afeto.
Segundo o pediatra comportamental João Severo, esse ciclo precisa ser interrompido antes que se torne regra:
“Famílias não se afastam porque querem. Elas se afastam porque vivem exaustas. As férias de 2026 estão servindo como freio — um convite silencioso para reencontrar o que faz sentido.”
Ele defende uma ideia que aparece em toda a literatura sobre saúde mental preventiva: reparar vínculos não exige explicações longas, mas tempo, presença e humildade.
O que as famílias estão descobrindo neste verão
Conversando com pais em diferentes regiões, a reportagem identificou quatro percepções recorrentes:
- A simplicidade funciona.
As crianças querem atenção, não programação cara. - O excesso de tela estava escondendo problemas emocionais.
As férias revelaram o quanto muitas famílias estavam evitando conflitos através dos dispositivos. - As atividades ao ar livre são terapeuticamente eficazes.
Mesmo 20 minutos de natureza alteram humor, sono e conexão. - Estar junto exige decisão.
Não acontece sozinho — é uma escolha diária.
Um verão que pode mudar o ano inteiro
As férias de janeiro sempre foram um respiro. Em 2026, tornaram-se também um espelho — e, para muitas famílias, um ponto de virada.
Para Marta Gervásio, o principal aprendizado é simples e poderoso:
“Se janeiro for vivido com consciência, fevereiro a dezembro mudam. As famílias que estão investindo no vínculo agora chegarão mais fortes ao ano letivo.”
Entre trilhas, fogueiras, cafés demorados e conversas que não cabiam na rotina, um sentimento se repete: as famílias estão redescobrindo umas às outras.
E talvez seja essa a melhor notícia de 2026.



