
O Ministério da Saúde e diversas entidades de prevenção alertam: oferecer álcool a menores de idade não apenas é ilegal, como aumenta drasticamente os riscos de acidentes, dependência, violência e prejuízos emocionais irreversíveis.
Por Daniela Freire
As festas de final de ano sempre foram sinônimo de reencontros, abraços, música alta e risadas apressadas. Mas, em muitas famílias brasileiras, há um hábito que se repete como se fosse inofensivo: “deixar só um golinho”, “molhar os lábios”, “é só um brinde” ou “na minha época era normal”.
O Ministério da Saúde e diversas entidades de prevenção alertam: oferecer álcool a menores de idade não apenas é ilegal, como aumenta drasticamente os riscos de acidentes, dependência, violência e prejuízos emocionais irreversíveis.
E no final de ano, quando a vigilância diminui e o clima festivo cresce, esse perigo costuma ser subestimado.
A falsa ideia de que “um pouquinho não faz mal”
A psicóloga infantil Renata Melgaço, especialista em comportamento de risco, explica por que tantos pais deixam a regra escorregar:
“Existe a fantasia de que, se o jovem experimentar em casa, estará protegido. Mas isso não se sustenta em nenhuma pesquisa séria. A primeira exposição ao álcool antes dos 15 anos aumenta em até quatro vezes o risco de dependência na vida adulta.”
Ou seja: não existe ‘uso educativo’ de álcool para menores de idade.
Cada gole antecipa danos no cérebro em desenvolvimento — danos que podem durar anos.
Por que o álcool é mais perigoso para adolescentes?
O cérebro de um adolescente só termina de amadurecer por volta dos 21 a 24 anos. Isso significa:
- impulsividade maior;
- menor capacidade de avaliar consequências;
- busca por emoções intensas;
- vulnerabilidade à pressão social.
Ao misturar álcool a esse cenário, os riscos se multiplicam:
- quedas e acidentes;
- brigas e comportamento agressivo;
- exposição sexual precoce;
- ingestão excessiva pelo “efeito manada”;
- apagão (perda de memória);
- intoxicação alcoólica severa.
Segundo dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), os atendimentos por intoxicação alcoólica entre menores de idade aumentam 30% entre dezembro e janeiro.
Quando a festa vira porta de entrada
Para muitos adolescentes, a primeira experiência com álcool acontece em:
- ceias familiares;
- confraternizações de Natal;
- Ano-Novo na praia;
- festas de vizinhança;
- casas de parentes mais permissivos.
O problema é que o ato parte justamente daqueles que deveriam proteger — e acaba sendo visto como sinal de aprovação.
O jovem aprende que “com adultos perto, tudo bem”.
Mas na primeira festa sem supervisão… ele replica o que viu.
A lei é clara — e protege
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define como crime vender, servir ou oferecer bebida alcoólica a menores de idade. A pena inclui:
- detenção;
- multa;
- responsabilização civil em caso de acidentes.
Poucos pais sabem: se um adolescente alcoolizado causar dano a outra pessoa, a responsabilidade recai sobre quem ofereceu a bebida.
O papel das famílias: prevenir, não normalizar
Especialistas recomendam abordagens simples e eficazes:
1. Clareza sem negociação
Explique que álcool não é permitido antes dos 18 anos — e por quê. Não é sobre “proibir”, mas sobre proteção neurobiológica.
2. Coerência entre adultos
Combinar regras familiares evita que um tio, primo ou avô “autorize” aquilo que os pais não querem.
3. Alternativas festivas
Brindes com drinks sem álcool, mesas caprichadas, música, jogos, rituais familiares — há muitas formas de celebrar sem risco.
4. Presença real
Nas festas, esteja por perto. Observe, converse, acolha. A prevenção nasce do vínculo.
5. Modelo adulto saudável
Crianças não aprendem com discurso — aprendem com o comportamento que veem.
Uma reflexão para este final de ano
O álcool não inaugura maturidade.
Não faz do adolescente mais “adulto”, nem mais integrado.
Não aproxima — expõe.
A cada final de ano, a sociedade brasileira discute segurança no trânsito, violência e saúde mental. Mas quase nunca discute o que acontece dentro de casa, onde a primeira taça é oferecida com um sorriso.
O mundo não precisa de mais “normalizações”.
Precisa de adultos corajosos o suficiente para dizer:
“Eu te amo tanto que não vou colocar você em risco.”
E talvez esse seja o brinde mais responsável que uma família pode fazer para entrar em um novo ano com consciência, segurança e esperança.



